O acarajé não é só uma iguaria baiana deliciosa — ele é memória viva, símbolo de resistência e tradição ancestral afro-brasileira. Trazido ao Brasil por mulheres africanas escravizadas, principalmente das nações iorubás, o termo vem de àkàrà (bola de fogo) e je (comer), e o bolinho fazia parte de rituais sagrados dedicados a orixás como Iansã e Xangô.
A chegada do acarajé ao Brasil se deu no contexto brutal do tráfico transatlântico de africanos, especialmente entre os séculos XVII e XIX. As mulheres negras que foram trazidas da região que hoje é a Nigéria trouxeram não apenas seus corpos, mas também suas crenças, línguas, tradições e saberes culinários. Dentro dos terreiros de candomblé, o acarajé era (e ainda é) usado como oferenda nos rituais, preparado com cuidado e respeito.
Com o tempo, especialmente no período colonial, essas mulheres começaram a sair às ruas para vender o bolinho como forma de garantir a própria sobrevivência — e, em muitos casos, juntar dinheiro pra comprar a alforria de si mesmas e de outros escravizados. Foi aí que surgiu a figura da baiana de acarajé, com seus trajes brancos, colares de contas e tabuleiro coberto com panos sagrados.
A popularização do acarajé na Bahia tem tudo a ver com Salvador, a primeira capital do Brasil e cidade com a maior população afrodescendente fora da África. Nas ruas do Pelourinho, no Comércio, nos bairros populares e nos arredores dos terreiros, o cheiro do azeite de dendê e o som das rezas e cantos misturavam cultura e resistência. A venda de acarajé virou tradição — e símbolo de identidade negra em meio à opressão.
Com o passar dos anos, o bolinho ultrapassou os limites religiosos e virou símbolo da Bahia pro mundo. Hoje ele é vendido em feiras, praias, festas populares e eventos turísticos. Mas é importante lembrar: mesmo popular, o acarajé continua carregando uma carga histórica e espiritual poderosa. Essas mulheres transformaram seus tabuleiros em territórios de cultura, força e tradição. Elas não vendiam só comida: vendiam história, axé e dignidade.
Durante o período da escravidão, essas mulheres negras — as lendárias baianas de acarajé — usaram essa receita como forma de sobrevivência e libertação. Vendendo acarajé nas ruas, feiras e esquinas da Bahia, elas arrecadavam dinheiro que servia até pra comprar suas próprias alforrias e a de outros irmãos e irmãs escravizados. Assim, o acarajé se tornou um instrumento de resistência, fé e empreendedorismo preto.
Observação: Entender a história do acarajé é reconhecer a força da cultura afro-brasileira e o papel central da mulher preta na preservação de saberes. Por trás de cada bolinho frito no dendê tem dor, fé, luta e vitória. O acarajé é resistência servida com gosto, é herança ancestral que alimenta o corpo e a alma.